Leituras | Valter Hugo Mãe, O filho de mil homens | Lê Abílio Santos
[...] Para entreter curiosidades, o velho Alfredo
oferecia livros ao menino e convencia-o de que ler seria fundamental para a
saúde. Ensinava-lhe que era uma pena a falta de leitura não se converter numa
doença, algo como um mal que pusesse os preguiçosos a morrer. Imaginava que um
não leitor ia ao médico e o médico o observava e dizia: você tem o colesterol a
matá-lo, se continuar assim não se salva. E o médico perguntava: tem abusado
dos fritos, dos ovos, você tem lido o suficiente. O paciente respondia: não, senhor
doutor, há quase um ano que não leio um livro, não gosto muito e dá-me
preguiça. Então, o médico acrescentava: ah, fique pois sabendo que você ou lê
urgentemente um bom romance, ou então vemo-nos no seu funeral dentro de poucas
semanas. O caixão fechava-se como um livro. O Camilo ria-se. Perguntava o que
era o colesterol, e o velho Alfredo dizia-lhe ser uma coisa de adulto que o
esperaria se não lesse livros e ficasse burro. Por causa disso, quando lia, o
pequeno Camilo sentia-se a tomar conta do corpo, como a limpar-se de coisas
abstractas que o poderiam abater muito concretamente. Quando percebeu o jogo, o
Camilo disse ao avô que havia de se notar na casa, a quem não lesse livros caía-lhe
o tecto em cima de podre. O velho Alfredo riu-se muito e respondeu: um bom
livro, tem de ser um bom livro. Um bom livro em favor de um corpo sem problemas
de colesterol e de uma casa com o tecto seguro. Parecia uma ideia com muita
justiça. [...]
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